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Ver o acesso à psicanálise restrito a “espaços burgueses”, frequentados apenas por pessoas que têm dinheiro para pagar pelo serviço, foi algo que sempre incomodou a psicanalista Adriana Rangel. Para ela, são nos “espaços sociais” onde há maior número de pessoas precisando “falar e se tratar por meio da palavra”.
Decidida a transformar esse cenário, Adriana começou a idealizar um projeto que oferecesse o serviço a uma das populações mais vulneráveis que existem: as pessoas em situação de rua. A escolha não foi por acaso: a psicanalista já havia tido contato com serviços do SUS, o Sistema Único de Saúde, para os sem-teto e já havia percebido que não existia praticamente nada voltado à saúde mental dessas pessoas.
O projeto começou como parte do Trabalho de Conclusão do doutorado de Adriana sobre o tema, aplicado numa região da cidade de Cuiabá com grande concentração de pessoas em situação de rua: o Beco do Candeeiro. A iniciativa, no entanto, fez tanto sentido para Adriana e para os sem-teto impactados que não levá-la adiante não era mais uma opção.
Adriana conta que, no processo, teve a oportunidade de desconstruir pré-conceitos que ela mesma tinha a respeito da população em situação de rua – como, por exemplo, o fato de que iam para as calçadas por serem dependentes químicos. Ela percebeu que, na verdade, o principal motivo de estarem em situação de rua era o desemprego. As pessoas passavam a consumir drogas depois que já estavam nas ruas para, de alguma maneira, lidar com as constantes violências que sofriam por estarem em situação de calçada.
Assim o Psicanálise na Rua se transformou em projeto de extensão de curso da Universidade Federal de Mato Grosso, onde Adriana fez seu doutorado e é professora. Atualmente, a iniciativa oferece sessões gratuitas de psicanálise às pessoas em situação de rua de Cuiabá num espaço público, o Museu da Imagem e do Som de Cuiabá, com o apoio dos estudantes da universidade.
A ideia é oferecer a essas pessoas a oportunidade de fala e escuta como forma de tratar e acolher as inúmeras violências que sofrem por estar em situação de calçada, a fim de que assim não recorram mais a comportamentos destrutivos, como o uso de drogas, para lidar com a invisibilidade em que vivem. As sessões também ajudam a identificar outras questões de saúde, físicas ou mentais, que são encaminhadas pelos profissionais do projeto a outros equipamentos gratuitos para serem tratadas.
O projeto, inclusive, fez os pacientes sem-teto do Psicanálise na Rua reconhecerem as dores que sentem como coletivas e se unirem para fundar o Movimento da População de Rua, que busca lutar por seus direitos na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso. Incrível, não?