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Durante a busca por mestres deste país, fomos atrás da Dona Flor, mulher simples, mãe e até tataravó aos 78 anos. Ela é referência em plantas medicinais, parto natural e é o espírito de comunidade em pessoa. Um serumaninho cheio de amor pra dá.
Numa terça-feira comum, já em Alto Paraíso, perguntamos pra um pintor na rua se ele conhecia o caminho pra casa da Dona Flor. “Claro, ela é minha tia”, respondeu ele. Seguimos suas coordenadas até o povoado do Moinho, a 12 km de Alto Paraíso.
Há alguns anos, o espaço era só de quilombolas, hoje é uma vila com boa parte de chão batido, onde moram nativos e cidadãos de todos os cantos.
Chegamos na casa de Dona Flor sem avisar. O portão estava aberto e fomos logo entrando. Era uma casa simples e aconchegante. Dá pra imaginar o cuidado que ela tem com aquele jardim pelos bancos externos virados para apreciar as plantas. Logo veio ela, nos convidando para sentar e perguntar o que fazíamos ali.
– “Queremos saber um pouquinho de suas histórias.” Respondemos com os olhinhos curiosos.
Desde pequena ela levava plantas para casa. Não sabia o que fazer com elas, mas levava mesmo assim, caso um dia precisasse. Quando tinha algum sintoma como nariz entupido ou tosse, ia logo experimentando a colheita. Sempre experimentou tudo sozinha, se alguma coisa desse errado, daria errado só pra ela. E assim foi experimentando as ervas do cerrado, uma a uma.
Infelizmente a biodiversidade da região não é mais a mesma. Como ela mesmo diz: “Há 4 coisas que estragam o mundo. O homem, o trator, a serra elétrica e o fogo, mas nenhum desses últimos três existe sem o primeiro.” Com o olhar todo triste, ela nos alertou sobre a escassez da água. O cerrado é conhecido por suas épocas de chuva e seca, ou seja, nos meses de verão é tanta chuva que a rotina toda muda. Mas esse ano foi diferente, só teve TRÊS dias de chuva. Por conta dessa mudança climática, as hortas foram prejudicadas e o feijão foi de R$ 3 (no ano passado) para R$ 13. “Comi o último feijão que eu tinha na semana passada, agora vou ter que me contentar sem o grão”.
No meio da história, pessoas começaram a aparecer com flores, com perguntas, com carinho, e interessadas em aprender com os conhecimentos de uma verdadeira anciã, que acumulou sabedoria durante toda sua vida e agora compartilha com prazer tudo que aprendeu.
A Dona Flor, além de mestre em plantas medicinais, é também parteira. O dom foi revelado com sua própria mãe. Sem saber sequer de onde vinham os bebês, passou por situação de apuros aos 18 anos. Sua mãe estava em trabalho de parto, um parto com muitas complicações, tanto que as parteiras desistiram e simplesmente saíram do quarto. Quando a Dona Flor entrou, não sabia o que fazer, mas também sabia que não podia cuidar de todos os irmãos sozinha, então começou a colocar sua mãe em diferentes posições para ajudá-la. Nessa hora sua mãe já estava desacordada. Segundo seu relato, uma voz divina foi guiando seus passos. Assim que colocou a mãe sentada em seu joelho com a coluna ereta, houve um estalo e o bebê nasceu com o cordão enrolado no pescoço. Ela conseguiu salvar sua mãe e sua irmã, sozinha.
Desde então foram 326 partos! Por isso é a mãezona de mais de 300 “filhos”. É gestação que não acaba mais. Sem contar com seus 18 filhos biológicos e 12 adotivos. Essa mulher inspiradora dedicou sua vida à comunidade. O seu prazer é o cuidado, seja na hora do nascimento, seja no restante da vida. Um exemplo de que a ciência não depende só da academia, essa médica não é alfabetizada, mas tem forte afinidade com a cura a partir de seus conhecimentos empíricos.
Sim, ela ficou conhecida pelo seu carisma e agora tem até filme, chama-se “Flor do Moinho”, que foi financiado coletivamente por meio do Catarse em Maio de 2015. Veja aqui.
“Homem que tem sabedoria, não faz violência.” – Dona Flor do Moinho.
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