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Já parou para pensar em como a forma que as nossas casas, bairros e cidades foram sendo desenhadas dizem muito sobre o jeito que a gente se relaciona com o meio ambiente, com as pessoas e com os demais seres vivos que estão inseridos nele?
Quem vive em grandes cidades percebe o contrassenso: cada vez mais gente, mas menos encontros. E, a cada década que passa, mais pessoas com quadros de depressão, ansiedade e outros transtornos que têm tudo a ver com a crescente fragilidade da nossa conexão com a natureza em detrimento de um estilo de vida em que estão todos correndo, mas sem nem saber explicar o porquê de tanta correria.
No dia 3 de dezembro, parei a minha correria para encontrar as pessoas envolvidas numa rede grandiosa: a Rede Permaperifa. Estava rolando o oitavo mutirão da iniciativa que, a cada dois meses, alia trabalho e lazer para intervir na paisagem dos bairros periféricos, reunindo os coletivos de cada região das bordas da cidade de São Paulo para estruturar a autonomia de seus moradores. Gerando um fluxo de energia e trabalho de forma independente, dessa vez o espaço que recebeu a intervenção foi a Horta Terra Molhada, iniciativa de mulheres da AASMER (Associação de Atenção à Saúde Mental de Embu e Região) e de moradores locais, no município de Embu das Artes, em São Paulo.

Falei com a dona Marlene, 73 anos, que é presidente da AASMER, e contou como começou seu trabalho. Foi muito gratificante conhecer essa mulher que, mesmo sem saber ler ou escrever, tomou a iniciativa de compartilhar o que aprendeu com o Lucas Ciola, um dos articuladores da rede, há cinco anos, por meio de um projeto dele para hortas comunitárias com participação de profissionais e pacientes do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial da Prefeitura de São Paulo).
No projeto, ela recebeu a orientação do Lucas sobre a importância de pensar o plantar também como ação política. Há seis anos, dona Marlene se mudou para o Embu e teve a ideia de revitalizar o terreno próximo à casa dela, antes cheio de lixo, mesmo sendo uma Área de Preservação Ambiental. Partindo do que aprendeu, falou com a Secretaria do Meio Ambiente e com os vereadores da Câmara Municipal, pedindo que liberassem o terreno para que ela pudesse realmente preservá-lo.
Dona Marlene contou com a ajuda da Sara Elen, da ONG Beija-Flor e também articuladora do Permaperifa. Coincidência ou obra do universo, Sara também tinha aprendido muito sobre agroecologia com o Lucas anos atrás. Com a horta, Dona Marlene criou um espaço às quartas-feiras para que as mulheres da associação e as crianças possam se encontrar.
“Eu penso que a gente não é só horta, a gente não é só gente e não é só religião. Eu sinto que vou atingindo essas pessoas e criando caminhos para que os diferentes olhares e ideais ganhem espaço. Vou mapeando alguns casos, como o de mulheres que têm problemas com a família, ou com álcool e drogas, e trago para cá. O encontro com a Sara foi um presente. Com o olhar dela sobre o meio ambiente e o meu sobre as pessoas, e como eu não aprendi a ler nem escrever, eu me realizo quando vejo todas essas pessoas juntas. Gosto de cuidar delas e me vejo como uma árvore frutífera, que abre caminhos e oportunidades para cada pessoa, criando um ambiente melhor para as gerações vindouras. Minha vontade e o meu querer são esses”, conta dona Marlene.
Imagina a minha alegria, uma pessoa com 26 anos, que tem uma árvore tatuada nas costas, e que acredita na conexão entre as pessoas, ao ouvir a dona Marlene dizer tudo isso? Depois de acompanhar o início dos trabalhos de gente de todos os cantos de São Paulo na horta, pude falar um pouco com o Lucas sobre como ele vê o impacto do contato com a terra na nossa saúde mental, com referências a teóricos como Deleuze e Guattarri sobre a loucura.
“A idéia não é negar a loucura das pessoas, e sim dar um sentido positivo para ela. Canalizar para o encontro, em que terão a oportunidade de entender o padrão da natureza e, consequentemente, o padrão delas que está ‘errado’ e acabam conseguindo ajustá-lo novamente ao fluxo da vida. O compromisso de regar a planta todo dia, por exemplo, nos conecta com o ciclo delas, da lua, e por aí vai. Isso vai realinhando e reorganizando a nossa mente. A terra é neutra, absorve os íons que sobrecarregam o nosso corpo, ajudando a neutralizar a negatividade. Por causa da horta, a pessoa começa a comer comida orgânica, que também influencia na mente e impacta a saúde. Daí, vai para as ervas medicinais e deslancha, pois ele começa a se reapropriar da medicina que ficou terceirizada na mão do médico e pegamos de volta esse saber”, explica Lucas.
O sentido, segundo ele, é abrir espaço para a propagação da vida: tirar o plástico do chão, jogar a semente de uma planta pioneira, que vai preparar o solo e abrir espaço para as plantas secundárias, chamando fauna para o local e, assim, abrindo espaço para a vida. Esse é o chamado do Permaperifa, não só para quem está no território periférico. Fica aqui o convite para você acompanhar e participar dos próximos mutirões da rede em 2017. Acompanhe pelo Facebook!
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Escrito e vivido por Damaris Souza