Share This Article
“Para mudar o mundo é preciso primeiro mudar a maneira como os bebês estão nascendo”, disse o obstetra Michel Odent.
Era 1º de dezembro de 2014. E eu pari. Pari no país com uma das maiores taxas de cesárea do mundo. Pari dentro de uma banheira, em uma casa de parto, mesmo vivendo em uma sociedade que entende o parto como um evento médico – e não familiar, como deveria ser. No meu parto eu fui a protagonista. Meu corpo foi respeitado. Nada de episiotomia, tricotomia ou manobra de kristeller, por exemplo. E eu tive autonomia para ditar as posições que amenizavam minhas contrações. Fui eu quem pegou o Gael, meu filho, da água e o trouxe imediatamente para o meu peito. Ele não chorou – e acredite, ao contrário do que o senso comum imagina, isso é uma coisa boa!
Foi lá, com minha cria no colo, que eu nasci como mãe. Meu parto foi transição essencial para mim. A partir de então eu tinha certeza de que era capaz de enfrentar o mundo por meu filho. Afinal, eu tinha vencido a indústria/sociedade cesarista, superado medos e enfrentado tudo isso praticamente sozinha, dado à resistência da família. A luta por um parto respeitoso, por um nascimento cheio de amor e por um tratamento humano ao meu filho foi minha. Uma luta que milhares de mulheres se deparam e que muitas sucumbem. Mas a boa notícia é que cada vez mais mulheres vencem. Isto porque, depois de uma experiência tão preciosa, além de mães, nos tornamos ativistas.
Aliás, foi graças a várias outras mães que eu consegui parir. Logo que me descobri grávida entrei em contato com a professora Bianca Santana, que veio a se tornar minha orientadora de TCC. Ela me passou o contato de uma grande ativista e obstetriz, Ana Cristina Duarte, que por sua vez me indicou minha médica obstetra, Fabiana Garcia. Todas mãezonas.
Até minha 30ª semana, iria ter um parto natural hospitalar, porque queria ter a anestesia como um recurso, caso preciso fosse. Na última hora, meu medo do hospital foi maior que o medo de ficar sem anestesia. Fui atrás da Casa Angela, uma casa de parto localizada na zona sul de São Paulo, e lá encontrei muito amor e paz. O meu parto foi mais rápido do que a média – que prevê algo entre dez e doze horas. Tudo para mostrar que não há regras na partolândia – cada mulher tem seu ritmo, que deve ser respeitado.
Eu havia trabalhado o mês de novembro inteiro para um evento institucional que aconteceria no dia 1º de dezembro, uma segunda-feira. No domingo a tarde, me entreguei a um sono muito forte e, por isso, estava sofrendo para dormir à noite. Uma hora da manhã acordei com vontade de fazer “xixi”. Fiz muito xixi e cheguei a pensar: “Que engraçado, nem bebi tanta água assim”. Voltei a me deitar e senti um líquido escapar. A bolsa havia estourado.
Liguei para a Casa Angela e a Andreza estava de plantão – ela havia atendido à minha última consulta, um dia antes. A obstetriz me perguntou se eu estava sentindo contrações e, diante da resposta negativa, me aconselhou a ir à Casa Angela para um exame de confirmação. “Traga suas coisas, caso você precise internar. Lembre-se de que aqui nós só podemos esperar até 18 horas depois do rompimento da bolsa, mas se for de sua vontade usaremos métodos não-farmacológicos para indução”, me tranquilizou.
Liguei para minha doula. Nós havíamos conversado até às 23h30, mais ou menos. Ela não me atendeu. O plano era ligar para ela, que viria para minha casa e passaríamos, juntas, o trabalho de parto “passivo” – quando as contrações ainda não estão regulares. Ela me levaria à Casa Angela assim que o TP se caracterizasse ativo. Diante do imprevisto, tomei banho, troquei de roupa e fui acordar minha tia, com quem eu moro desde que optei por estudar em São Paulo. “Tia, preciso ir à Casa Angela. Acho que minha bolsa estourou.” Ela, ainda assustada com o horário e sem assimilar muito as informações: “Ok, como você vai? Será que eu preciso ir junto?”, perguntou. “Eu gostaria que sim. A Adri não atendeu ao telefone.”, respondi.
Enquanto minha tia tomava banho e se trocava, eu fui juntando o que faltava para receber o Gael. Minha mala, a mala dele, as câmeras – tudo pronto! Durante o caminho, comecei a sentir as contrações e, com ajuda de um aplicativo, contei os espaços de tempo e as durações. Elas vinham com regularidade, de cinco em cinco minutos ou menos, e duravam mais de quarenta segundos. Trabalho de parto ativo. Era isso, Gael estava pronto para nascer com 38 semanas e 3 dias.
Chegando lá, às 2h30, a Andreza realizou o primeiro – e único – exame de toque: cinco centímetros de dilatação. Com a nova informação, me encaminhou para a sala PPP (Pré, Parto e Pós). Eu parei por alguns minutos na recepção para mandar mensagens para o meu chefe, que contava comigo para a organização do evento. Tudo com muita calma e naturalidade, apesar do trabalho de parto ativo. Todo o pré-natal com minha médica e com as enfermeiras e obstetrizes da Casa Angela foi essencial para que, no dia, eu tivesse certeza de que estava tudo certo. O preparo psicológico para o parto é muito importante.
A partolândia, estado do corpo e espírito que não se tem total consciência, chegou junto com minha doula, Adriana Natrielli. Não me lembro de muita coisa a partir de então. Lembro que minhas costas doíam e que massagens amenizavam muito. Lembro do mel, do suco de laranja, de comer alguma fruta e de descansar entre uma contração e outra. Lembro de trocar de posição umas quatro vezes: da banheira para o chão de quatro apoios, para a cadeira de balanço, para o chão novamente e banheira.
Até que deu vontade de puxar e minha preocupação era saber o momento exato do nascimento do meu filho. Ele coroou, minha doula aconselhou: “Faça carinho!”. Às 6h35, saiu sua cabeça e, no puxo seguinte, seu corpinho deslizou. Como mágica. Eu o tirei da água, coloquei sobre o meu peito e ficamos nos olhando por um tempo. Levantei, fui até a cama esperar pela minha placenta. Novamente recebo ajuda da doula: “Veja só, ele já quer mamar!”.