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Na escola, aprendemos que os elementos químicos se renovam no meio ambiente, sendo retirados e devolvidos à natureza, de forma contínua, constituindo os ciclos biogeoquímicos. Dentre os inúmeros ciclos estudados, aqui faremos considerações sobre o ciclo hidrológico (ou o ciclo da água).
O elemento água dentro do ciclo hidrológico sofre mudanças de lugar e de estado físico em cada etapa, passando pelos três estados de agregação da matéria: líquido (córregos, rios, lagos e mares), gasoso (vapores de água na atmosfera) e sólido (gelo). Sucintamente, a água disponível absorve energia térmica (radiação solar ou ar quente junto à superfície terrestre), mudando do estado físico líquido para o gasoso, a partir do fenômeno físico da evaporação. As vegetações e os animais também contribuem neste processo, por meio do fenômeno da evapotranspiração. A medida que a água evapora, o ar atmosférico fica saturado, em consequência da umidade, formando assim as nuvens. Quando o ar saturado de umidade arrefece, a água se condensa e retorna à superfície na forma de precipitação (chuva). Com isso, a água poderá ter três caminhos, a infiltração no solo (umidificando a terra e/ou recarregando os aquíferos, em 80% dos casos), o escoamento superficial (contribuindo para formação de corpos hídricos, em 15% dos casos) ou o retorno ao estado gasoso.
Toda e qualquer ação antrópica transformará o ambiente, entretanto, esta transformação deverá ser planejada tecnicamente e socialmente com visão estratégica. A urbanização é uma conquista do homem, não é ela a “vilã” ou a “protagonista” dos passivos e das degradações ambientais vivenciadas, mas sim o modelo de ocupação, construção e adensamento urbano interligado à ineficácia do sistema de drenagem vigente. Conectados a estes problemas, a engenharia empregada nos projetos de asfaltamento e arruamento das cidades finaliza o processo de alteração do ciclo hidrológico.
Nas cidades, com a urbanização, o ciclo da água é alterado. Essa alteração transforma o meio ambiente urbano e o rural/natural, relevando-se a partir de inundações, enchentes, deslizamentos de encostas, destruição de nascentes e assoreamentos de córregos. As taxas de infiltração são reduzidas (cerca de 5%). Em contrapartida, as taxas de escoamento superficial são acrescidas significativamente (cerca de 90%).
O acréscimo do escoamento superficial pela impermeabilização do sítio urbano (manta asfáltica) é claramente observado pelas enxurradas durante períodos de precipitação pluviométrica de grande intensidade, cujas consequências poderão ser vivenciadas a partir dos transtornos causados pelas inundações e enchentes localizadas nas partes mais baixas da cidade ou a partir dos deslizamentos de encostas com ocupações irregulares e desmatamento, abalando e promovendo a destruição da infraestrutura da cidade.
Na tentativa de amenizar o escoamento superficial, estas águas são canalizadas por meio de ductos para os córregos do entorno, que muitas vezes, sem os devidos estudos técnicos e de impacto de vizinhança, bem como os estudos de reconhecimento das peculiaridades, fragilidades e características ecológicas e geomorfológicas do meio ambiente local.
A engenharia e a arquitetura natural dos corpos hídricos não foram projetadas para este “ciclo hidrológico antrópico”, desta forma, obrigatoriamente, os profissionais técnicos, a gestão pública municipal, bem como os órgãos e as entidades ambientais e jurídicas deverão de maneira responsável, democrática e participativa decidir o melhor projeto urbanístico sustentável e ambientalmente seguro para a região em questão. As mudanças climáticas e (essencialmente) os cálculos estimativos de precipitações deverão ser considerados na elaboração do projeto, evitando assim, o sepultamento de nascentes, solapamento de margens e assoreamento dos córregos.
Outro ponto a ser considerado é a população, assim, como o poder público tem suas responsabilidades, ela também possui, como por exemplo, não destinar lixo de forma irregular em vias públicas, evitando assim, o entupimento das galerias, bem como zelo e cuidado com as árvores e áreas verdes urbanas, favorecendo a infiltração hídrica, microclima e reduzindo as ilhas de calor. Sem falar, que estas medidas também farão parte dos programas de prevenção de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Paralelamente a todas estas informações compartilhadas, a nossa cidade possui inúmeros córregos urbanos com seus divisores de água, cujos entornos foram impermeabilizados, intensificando o processo de escoamento superficial hídrico. Além do mais, as águas destes córregos contribuem para a formação das inúmeras cachoeiras que vertem para regiões de APA, Unidades de Conservação e recarga do Sistema Aquífero Guarani. E, por fim, cabe as seguintes reflexões: por que não realizamos os devidos (e obrigatórios por lei) estudos técnicos pertinentes para os ajustes necessários do ciclo hidrológico ao meio urbano? Por que os conceitos que englobam a urbanidade, ecologia política e social, bem como os olhares geográficos e sanitários são desconsiderados?
Fotos: Noticias Botucatu