Share This Article
Por Rosenildo Ferreira
Em meados de 2011, a empreendedora e executiva Susanna Marchionni estava na sede do Grupo PLANET Smart City, em Londres, quando aproveitou uma folga no expediente para folhear um exemplar da revista britânica The Economist. A bíblia do liberalismo econômico desfruta de grande prestígio entre políticos e investidores graças à sua unidade de estudos e pesquisas, a Intelligence Unit, que abastece a área editorial, além de clientes externos, com insights que acabam se convertendo em bases para reportagens ou infográficos. Um deles incluía Pecém, no Ceará, no ranking das 10 melhores regiões do planeta para se investir.
A partir daquela leitura, Susanna se lançou numa série de pesquisas para descobrir os predicados da acanhada cidade portuária, distante cerca de 50 quilômetros de Fortaleza. Boa parte do trabalho foi feito in loco, nos quatro meses em que ela passou na região. “Cheguei ao Brasil sem falar uma palavra sequer em português. Tinha dificuldade até de pedir comida nos restaurantes”, conta.
Cinco anos se passaram desde a primeira temporada no Ceará. Neste período, a empresária não apenas se tornou uma profunda conhecedora do idioma de Camões (o sotaque italiano é quase imperceptível!), como estabeleceu residência em Fortaleza e São Paulo. É destas cidades que ela comanda a PLANET Holding no Brasil e a SG Desenvolvimento, com as quais pretende transformar o Brasil na ponta-de-lança do projeto global de implantação de bairros inteligentes, sustentáveis e focados nas faixas baixa e média da pirâmide de renda. “No Brasil, o déficit habitacional é estimado em sete milhões de moradias e boa parte deste montante se refere a famílias da base da pirâmide”, diz.
MAIS BARATO DO QUE O MCMV
O primeiro projeto do portfólio é o Smart City Laguna. Orçado em R$ 35 milhões, o complexo composto de residências e unidades comerciais está sendo implantado numa área total de 330 hectares (equivalente a cerca de 350 campos de futebol), no município de São Gonçalo do Amarante, próximo ao Porto de Pecém. A conclusão do primeiro módulo, com 90 hectares, se deu num tempo recorde de 24 meses. Segundo ela, isso foi possível graças ao desenvolvimento de um método espartano de gestão da obra, batizado de Máquina de Guerra. O sistema foi desenhado em Turim, onde fica o laboratório de inovação da empresa (o Centro de Competência), e aprovado pela matriz, em Londres.
A pressa tinha razão de ser. Afinal, o brasileiro de baixa renda prefere adquirir terrenos já urbanizados e casas prontas, porque dificilmente consegue manter simultaneamente dois encargos: a prestação de um imóvel e o aluguel de outro. Em menos de dois anos foram comercializados sete mil lotes. Um total de 350 famílias já construíram suas casas e outras 65 estão em imóveis entregues pela PLANET. “Estes números nos colocaram no topo do ranking do setor imobiliário brasileiro, em 2018”, diz Susanna, com uma indisfarçável ponta de orgulho.
Um lote-padrão no bairro planejado mede 150 m² e custa R$ 30 mil. Existe a opção de financiamento direto com a PLANET, em 120 meses. Também é possível adquirir o terreno e a casa. O preço de cada unidade, com área útil a partir de 55 m², oscila entre R$ 95 mil e R$ 140 mil, no caso da de 60 m²), de acordo com as configurações e o tipo de projeto. Trata-se de um valor bem abaixo do teto definido pelo programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), em torno de R$ 200 mil para o Ceará. “Para aqueles que optam pela autoconstrução nós colocamos à disposição, gratuitamente, nosso portfólio composto por 20 projetos já aprovados pela prefeitura”, explica.
DESAFIOS
Vencido o primeiro desafio, Susanna – que é economista de formação e acumula mais de 20 anos comandando unidades do grupo em Turim, sua cidade natal, e em Londres – já se sente pronta para alçar novos voos por aqui. O próximo será na homônima São Gonçalo do Amarante, cidade da Região Metropolitana de Natal. Ela adianta que outros dois estados estão na mira da empresa mas não revela detalhes. “Ainda estamos em fase de prospecção dos terrenos, mas deveremos fazer o anúncio até o final de setembro”.
Diz, no entanto, que o bom desempenho no Brasil inspirou os controladores do grupo ítalo-britânico a ampliar seu alcance global. Hoje, existem negociações em curso para levar o conceito para a Índia e outra cidade da América do Sul. A disputa está entre Colômbia e Peru. “A maior fatia do déficit habitacional, no mundo, atinge as famílias de baixa renda”, destaca a empreendedora.
Ao longo dos últimos 40 anos, o setor de construção, especialmente no caso de projetos voltados para a baixa renda e aqueles com viés de sustentabilidade, vivenciou grandes desafios. O primeiro deles é o desenho de um modelo de ocupação do solo que evite os equívocos históricos que transformaram muitos deles em “favelas de concreto” ou “aglomerados humanos” isolados de serviços públicos e opções de lazer. O segundo se refere à rentabilização do negócio que, na maioria das vezes, só para de pé por conta de elevados subsídios concedidos pelo poder público. O terceiro é a visão elitista que sempre acompanha os projetos inteligentes, direcionados majoritariamente aos integrantes do topo da pirâmide social. Exemplos não faltam no Brasil e no mundo (veja mais detalhes, abaixo).
Antes de decidir cruzar o Atlântico, o board do Grupo PLANET pesou todas estas variáveis e chegou à conclusão de que valeria o risco. Afinal, desde sua criação, em 2015, vem acumulando uma série de experiências, que incluem implantação de bairros, além da conversão de espaços públicos e conjuntos residenciais degradados em áreas sustentáveis. Faz isso a partir do uso da tecnologia e da aposta na convivência inclusiva e colaborativa, baseada no conceito Viver além de Morar. As linhas-mestras de cada empreendimento são definidas no Centro de Competência, por uma equipe formada por 50 profissionais das áreas de engenharia, arquitetura e psicologia social.
DESENVOLVIMENTO
A instalação do estande de vendas, no Ceará, foi precedida da construção do Hub de Inovação que reúne equipamentos de lazer e cultura (como cinema e uma biblioteca com mil títulos), além de espaços para atividades de desenvolvimento econômico-social (cursos profissionalizantes e de idiomas). Tudo de graça. “No começo, os pais não deixavam os filhos irem ao cinema, com medo de a conta chegar um dia”, recorda. “Depois, o maior temor dos moradores do entorno era que ao término das obras nós murássemos o empreendimento”. Nada disso aconteceu.
O estranhamento é natural. Afinal, no mundo capitalista ainda vigora a máxima segundo a qual Não existe almoço grátis. De fato, todo este colchão social tem custo e é bancado pelos parceiros do Grupo. São os fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços globais que pagam uma taxa de 0,5% do valor dos contratos pactuados com o Grupo PLANET. Esta verba cobre, também, o investimento em atividades destinadas a fortalecer os laços de convivência. O trabalho é realizado por uma consultoria do interior de São Paulo e se estenderá por dois anos após à conclusão das obras.
O empreendimento no Ceará possui o mesmo padrão adotado na Europa. A infraestrutura vai muito além do que pede a legislação local. Um exemplo é a largura das calçadas, que varia entre 2,5 metros e 7 metros, números bem acima do exigido pela prefeitura: 1,5 m. As faixas de rolamento contarão com pistas segregadas para ônibus, automóveis e bicicletas, com largura total de até 60 m. O esgoto gerado no bairro será enviado para uma Estação de Tratamento de Efluentes, construído pela empresa. As águas pluviais (resultantes da chuva) serão usadas para compor uma lagoa de contemplação e lazer.
Como o bairro está situado no chamado Cinturão Digital de Fortaleza, o acesso a serviços de uso comum e a interação com o poder público se darão a partir de uma rede gratuita de banda larga por Wi-Fi. Um aplicativo desenvolvido pela empresa permite acompanhar, em tempo real, a evolução das obras, reservar horário nas quadras de esporte e adquirir o voucher para o cinema.
1 Comment
Silton
Impressionado com perspectiva do negócio. Onde encontro mais informações? Obrigado!